terça-feira, 2 de junho de 2009

"TABACARIA" DO HETERÓNIMO PESSOANO ÁLVARO DE CAMPOS-----partindo de leituras, uma outra possível de um dos poemas da minha vida...






"Tabacaria",
das leituras possíveis, a minha, resultado da leitura de outras.

Vou considerar quatro momentos na divisão deste texto e apresentar a minha proposta de leitura / interpretação de cada um deles, em separado.


"TABACARIA" - 15 / 1/ 1928


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

(1º verso do 2º momento)

Os quatro primeiros versos constituem uma Introdução a este poema, sendo esta independente do 1º e dos restantes 4 momentos.
Assim, nestes quatro versos, o "eu" confessa o seu fracasso como algo irremediável,
Não posso querer ser nada.
Será esta, aliás, a temática orientadora deste poema em que o sujeito poético reconhece que, por querer ser tudo como possibilidade, nunca será nada.
Relativamente aos 4 momentos aqui considerados:
- estão relacionados com os espaços físicos onde se desloca o sujeito poético e que se caracterizam como:

DENTRO: quarto (cadeira) / FORA (janelas)

1º momento, vv 5-31 - nele, o "eu"reflecte sobre o excesso de realidade do mundo exterior, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é; uma rua cruzada constantemente por gente, e a irrealidade de tudo, uma rua inacessível; impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa; Com o mistério das coisas.
Neste primeiro momento, o "eu" encontra-se à janela do seu quarto mantendo, deste modo, o contacto visual com o exterior, rua e Tabacaria.
O pessimismo é nota dominante neste texto como, por exemplo,
em Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Esta ideia de pessimismo encontra-se ligada, por sua vez, ao desgaste do Tempo e à morte que se tem como certa. (ver vv 12-13 com referência ao Destino, ligado à ideia de Morte, como um tirano que tudo determina).
A negatividade do "eu" é assumida através da anáfora presente no início dos versos
Estou hoje vencido; Estou hoje lúcido; Estou hoje perplexo; Estou hoje dividido.
Depois destas constatações, o resumo desta sequência presente no verso, Falhei em tudo.

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